A preocupação com os rumos políticos e os ataques diretos a educação tem feito parte de minhas discussões recentes (livro[1], capítulos de livros[2], artigos em periódicos[3] etc.[4] já publicados e, alguns no prelo), empenhado em contribuir com o debate político social em que todos nós, professores, nos sentimos enredados.
Neste texto, chamo de ‘balbúrdia criativa’, o movimento de resposta que tentamos dar aos ataques que temos sofrido por parte do atual governo, do qual, não tão raro, recebemos alcunhas como ‘desocupados’ e ‘baderneiros’, que precisamos ser ‘vigiados’ e ‘filmados’. Ao mesmo tempo em que nos ferem, esses ataques nos estimulam a defender nosso lugar social.
Muitos discursos que ecoam nas mídias sociais contemplam propostas arbitrárias, ilegítimas e tacanhas, que tentam diminuir, escarnecer, menosprezar e invalidar o trabalho árduo, digno e heroico de professores e professoras universitários (as) de todo o Brasil. Parece mesmo que aqueles que chegaram ao poder desconhecem a força e o poder transformador que a educação superior possui. Tentam diminuir a educação e seus heróis, a exemplo do que tentam fazer com o brasileiro Paulo Freire, maior educador do século XXI, reconhecido mundialmente como representante legítimo de uma pedagogia crítica e da autonomia, cujo projeto de universalização da escola para todos constitui uma visão contrária a que se difunde hoje: a do primeiro Ministro da Educação da atual gestão (agora, ex-ministro, pois foi demitido em 08 de abril de 2019), Ricardo Vélez Rodriguez, que afirmou em um vídeo divulgado em sua conta no Twitter que universidade “não é para todos”, mas “somente para algumas pessoas”. Essa fala infeliz foi a extensão de uma declaração anterior, em uma entrevista ao Valor Econômico, em que proferiu: “as universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual, que não é a mesma elite econômica”.
A onda de ataques a figura de Paulo Freire foi extensa, como, por exemplo:
i) a propagação do livro “Descontruindo Paulo Freire”, do historiador brasileiro Thomas Guiliano (2017), livro este que o Deputado Carlos Jordy, utiliza como fonte principal para defender o Projeto de Lei 3.033, de 2019, mencionado no item (iii) dessa listagem;
ii) “Estou procurando alguém para ser ministro da Educação que tenha autoridade. Que expulse a filosofia de Paulo Freire. Que mude os currículos escolares para aprender química, matemática, português, e não sexo”: fala do presidente Jair Messias Bolsonaro, em entrevista à Revista Veja, de novembro de 2018;
iii) o Projeto de Lei 3.033, de 2019, apresentado pelo Deputado Sr. Carlos Jordy do PSL/RJ, em 21 de maio de 2019, alegando que “a revogação da lei que declara Paulo Freire Patrono da Educação Brasileira se impõe diante da calamidade da educação nacional” (BRASIL, 2019, p. 02);
iv) a declaração de 16 dez. 2019, do presidente da república, referindo-se a Paulo Freire, como ‘energúmeno’, conforme detalhada em matéria assinada por Guilherme Mazui (2019)[5], no Portal G1.
Estes e tantos outros constituem o discurso do recalque, da inveja e da incapacidade intelectual e cognitiva de compreender a luta e a história de Paulo Freire na construção letrada e cidadã do nosso país.
O certo é que, em um curto período de tempo, muito do cenário histórico, político, econômico, social, cultural e educacional do país foi alterado. A situação de crise instaurada tem chamado a atenção de diversas frentes de representatividade social (Universidades públicas e especialistas das ciências humanas e sociais), que têm se assumido como campo ou esfera de forças de lutas e tomadas de posicionamentos (BOURDIEU, 2004; BAKHTIN, 2011)[6].
Nesses espaços, um dos principais agentes tem sido o próprio profissional da educação – o professor pesquisador ou “os intelectuais da educação”, como refere Bomeny (2003)[7], incluindo, nesse grupo, nomes como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire –, que, à luz de uma posição epistemológica, assumiram (século XX) a missão de modernizar o país através da educação. Tanto no passado, quanto hoje, século XXI, o que temos em comum – nós professores – é o comprometimento com uma postura crítica, reflexiva, que busca defender o lugar social e lugar de fala de onde falamos, atuamos e recebemos os ataques sofridos.
A propósito, a voz que fala neste texto pode ser definida como fruto desse movimento de tomada de partido e de consciência cidadã diante do “debate político” em que nós professores nos vemos envolvidos. Nesse grupo de ‘respostas’, já temos uma vasta literatura produzida sobre o assunto, tornando até inviável, por uma questão de recorte temático, referenciá-las todas aqui. Nossa ‘resposta’ ou ‘defesa’ a tantos ataques é por meio da inquietação e da “curiosidade ingênua”, que se transforma em “curiosidade crítica”, ou seja, conhecimento epistemológico, como bem nos ensina o mestre Paulo Freire (1996)[8].
Em nosso fazer docente diário na universidade, essa ‘criticidade’ apontada por Freire (1996), se materializa por meio do discurso científico e da pesquisa. Esta, inclusive, também constitui objeto de constante ataque pelo governo federal em tempos de neoliberalismo conservador, que, por meio de uma lógica produtivista e privatista, tem feito inúmeros cortes orçamentários no campo da educação, sobretudo, de bolsas de estudo em programas de graduação e pós-graduação no Brasil.
Nesse vendaval de insultos, de desrespeito às minorias e aos menos favorecidos social e economicamente, tenta-se, a todo custo, desvalorizar a força do trabalho docente e a figura do professor, profissional que luta diariamente pela educação e pela transformação social e cidadã que ela possibilita. Resta, então, a luta e a resistência, também, qualificadas como ‘balbúrdia’ e ‘insubordinação’, atitudes que, explicitamente, este texto faz uma apologia e reforça essa luta de maneira atenta e alerta, pois, como diz Bertold Brecht (apud Tocaia, 2017, p. 208)[9], “a cadela do fascismo está sempre no cio”, pronta ao ataque e a vociferar seu discurso de ódio e violência.
por Francisco Renato Lima(**)
(*) Agradeço a professora Dra. Anna Christina Bentes (IEL/UNICAMP), pela leitura crítica e apreciações a este texto, embora eu assuma inteira responsabilidade sobre o seu conteúdo e as posições aqui defendidas, no tocante aos acertos e as possíveis lacunas na abordagem do tema.
(**) Mestre em Letras – Estudos da Linguagem (UFPI). Professor Substituto da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e Coordenador de disciplinas do Centro de Educação Aberta e a Distância (CEAD) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: [email protected]