Como Cassandras em uma Babel em chamas!

Texto originalmente publicado na coluna Dokei Moi do NUPHA www.hannaharendt.com.br

De que século é o diagnóstico de que a filosofia está falida, que os deuses estão mortos ou que estamos serrando o único galho que nos resta de assento? Não importa. Ao menos não importa quando a falência, a morte e a queda ameaçam ser verdadeiramente as derradeiras.

A princípio, aviso que este não é o texto de alguém com respostas, mas de alguém que diariamente se convida ao silêncio e à escuta atenta. E o que mais tenho atentado nos últimos tempos é que todos nós temos dito coisas tão semelhantes e terríveis! (Cada uma delas profundamente terrível!). E ainda assim marchamos de forma habitual. Não há mais espaço, tempo e forma de dizer não, e parar o que estamos fazendo? Parar e decifrar o que dizemos uns aos outros?

Cá estamos nós ainda com as velhas metáforas, mas com novas agendas, reuniões pelo Zoom ou Meet com direito a chroma-key e vinhetas vendáveis. O cômico é que quanto mais se pensa ser um Zaratustra pop star, mais parecemos Cassandras, completamente desacreditadas até de nós mesmas, em uma Torre de Babel em chamas. Sequer precisamos prever a desgraça, tampouco temos tempo de dizer onde mais o fogo nos queima, imaginem então ter o tempo para inventar uma saída ou descobrir um hidrante mais próximo. Dançar pela chuva, algo que faz parte de algumas tradições que nunca quisemos dar ouvidos, isso nunca conseguimos achar razoável. Quando até julgamos loucos o que dançavam ao som de músicas que não podíamos escutar e os matamos.

Como Cassandras moldadas academicamente, umas a falar do leitmotiv, outras ainda do velho zeitgeist, só umas poucas e mais recentes tratando dos comuns, mas há ainda aquelas das versões sofisticadas da tabela de verdade, enfim, todas teimando em assumir quem somos e compreender que o que estamos fazendo não alcança com profundidade sequer nossos alunos, quiçá outras comunidades!

Enquanto uns buscam o conceito que lhes dará a suposta validação entre seus pares, outros sequer suportam encontrar esses pares nos eventos, apresentando pela milésima vez o mesmo paper. Resquícios do desespero de sempre que esqueceu que sucupira deveria nos fazer sombra, nos presentear com flores e sementes e não folhas de papel para tabelas de pontuação. Outra ética, outra metafísica, outro simpósio, só não apostam em outros mundos e em outras políticas.

A questão é, o nosso antigo lugar de trabalho depois de ser tomado por ervas daninhas, agora virou cinzas; nossos prognósticos, aqueles materiais de trabalhos avant garde que não avançavam a porteira da academia, há muito se confirmaram e já são roupa velha (por sorte existem os filtros de Instagram); e nossa capacidade de falar com gente, abraçar, reunir e aglomerar ainda encontrou uma pandemia e uma desgovernança global a nos sabotar, um pouco mais. Algo ainda pode piorar? Por certo, uma Cassandra preverá.

 

Amanda Karuh

(drag queen e estudante de filosofia)