Fascismo e Misoginia: um lugar comum

Este não é um ensejo para lástimas acerca da violência histórica que perpassa a vida das mulheres ou para prolegômenos das práticas fascistas que perpassam nossa lógica social… Antes é uma constatação, das inúmeras que nos abriram caminho a uma sanha de sobrevivência, justiça e dignidade, àquelas a quem já não satisfaz a misericórdia das elites, a esmola dos “bons cristãos”, ou o amor romântico dos “bons maridos” que lhes fragilizam e porventura “só” lhes pedem a subserviência em troca.

A cultura do patriarcado que dissemina a fragilização, o ódio e o desprezo para com as mulheres – característicos da misoginia – sempre foram instrumentos de controle, subjugação, manipulação e opressão do feminino na história da humanidade. Ferramentas que, não obstante, foram fundamentais e necessárias para propagação e solidificação de ideologias fascistas. Enquanto sistema de opressão e dominação – o patriarcado se constrói por e para os homens. A raiz dessa opressão é vasta, profunda e abrange desde nossa esfera social, econômica, política à cultural.

O fascismo político que visa legalizar a degradação das trabalhadoras e trabalhadores e a pauperização das classes médias em nome da salvação da “nação” e da “raça”, nomes presunçosos sob os quais se oculta o capitalismo em decadência – se ampara em uma herança histórica androcêntrica, alicerçada em uma ordem social baseada na condição de inferioridade atribuída às mulheres em relação aos homens. A alienação feminina é, então, peça fundamental desse sistema que vê no silenciamento e subjugação das mulheres o lugar ideal para propagação e manutenção do patriarcado que norteia os discursos fascistas.

Eliminar o protagonismo das mulheres trabalhadoras e sua força propulsora na democracia proletária é de fundamental importância para manutenção de um estado de fragmentação que torna as mulheres inimigas umas das outras – em uma competição individual alienante e motora do próprio capitalismo que é impulsionado por esse modelo competitivo. Por isso o feminismo liberal não só não alcança as lutas e reivindicações feministas que se põe antirracistas e anticapitalistas, como corrobora com ele. É nessa esteira que as ativistas e teóricas Tithi Bhattachayra, Nancy Fraser, Cinzia Arruzza no manifesto Feminismo para s 99% defendem que a igualdade formal e a necessidade de transformar as relações sociais, não podem ser dissociadas da necessidade de superar a exploração do trabalho, o racismo, a exploração da natureza e o imperialismo. Por isso, o feminismo que se põe anticapitalista e antirracista de um ponto de vista político também procura alianças sociais e políticas com todos os movimentos que lutam por um mundo mais justo para os 99%.

Perceber essas estruturas de opressão é fundamental para entendermos como o fascismo pode assentar nas dinâmicas sociais e nos tipos de sociedade existentes. O grande paradoxo é exatamente a existência de Estados democráticos perpassados por lógicas acentuadas de um fascismo social, com um caráter plurifacetado, que se manifesta em várias dimensões e esferas que naturalizam a opressão não só sobre a vida das mulheres, mas de todas as minorias e de tudo àquilo que fere a lógica patriarcal de poder. As situações de crise ao fragilizarem as instituições do Estado e o direito a ter direitos, ao hegemonizarem discursos marcados pela análise custos-benefícios, pela rentabilidade, pela mercadorização de todas as coisas e relações sociais favorecem e reforçam as lógicas subjacentes aos processos de fascismo social.

Como dizia Marielle Franco: “As rosas da resistência nascem no asfalto. A gente recebe rosas, mas vamos estar com o punho cerrado falando de nossa existência contra os manos e desmandos que afetam nossas vidas.” Que só pode ser posto em causa pela radicalização da reivindicação de direitos, de uma cidadania de participação, da interseccionalidade das lutas que fazem voz e frente diante de toda opressão patriarcal que em toda história tentou silenciar a força política das minorias sociais.

 

Marcela Uchôa